segunda-feira, 4 de julho de 2011

Artigo sobre uma pesquisa acerca do uso da língua japonesa em uma comunidade japonesa em Goiânia

Posto este artigo por acreditar que, através dessa pesquisa pode-se entender o processo de desenvolvimento da língua japonesa, desde o momento da chegada dos japoneses em Goiás até hoje. Acredito que os fatores desencadeados durante esse processo foram decisivos para determinar a situação do uso da língua japonesa atualmente entre os membros da comunidade japonesa residentes em Goiás.


POR QUE APRENDER JAPONÊS: ENTRE A MOTIVAÇÃO INSTRUMENTAL E O SÍMBOLO DE ETNICIDADE

Marley Francisca de LIMA
Orientação: Profª. Drª. Heloísa Augusta Brito de Mello (UFG)


ABSTRACT: This study was developed in the Japonese School of the Associação Nipo-Brasileira de Goiás. Most of the participants are Japonese immigrant decendants who did not acquire the Japonese language from their parents and who have found in the school the opportunity to fulfill this lack in their lives.

KEYWORDS: Bilingualism; motivation; Japanese language learning.

Introdução
Este estudo traz os resultados de um projeto de pesquisa que resultou no trabalho de final de curso do Bacharelado em Lingüística da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás. O trabalho teve como cenário a comunidade japonesa em Goiânia, representada neste estudo pelos alunos de uma escola da comunidade. Os estudos sobre falantes de imigrantes na região de Goiás têm sido raros, senão inexistentes, visto que o Estado caracteriza-se mais pela migração do que pela imigração. Por ser de significativa relevância o desvelamento da situação sociolingüística e de bilingüismo dessas comunidades, nos propomos neste estudo, de natureza qualitativa, compreender as motivações que levam os descendentes de japoneses, na sua maioria monolíngües em português, a aprender a língua japonesa no contexto desta escola e suas implicações para o processo de ensino e aprendizagem. Além disso, também procuramos identificar quais fatores contribuem para que a língua ainda esteja presente no domínio familiar no caso de alguns, enquanto que ausente no caso de outros.
Desse modo, tendo em vista os objetivos propostos, iniciamos este estudo com as seguintes perguntas de pesquisa:

1) Quais motivações levam os alunos desta escola a investir na aprendizagem da língua japonesa?
2) A língua japonesa é de alguma forma usada/falada no domínio familiar? Quando e em que situações.
3) Quais fatores contribuem para que a língua japonesa seja usada ou não em casa entre os familiares?

Para responder estas e outras perguntas que surgiram no decorrer do estudo nos apoiamos no paradigma qualitativo de pesquisa, de cunho etnográfico (LÜDKE e ANDRÉ, 2005; ERICKSON, 1986). Optamos por esta abordagem por acreditar que ela possibilita a interpretação dos registros de dados com base tanto no referencial teórico e na visão do pesquisador, quanto na percepção dos participantes da pesquisa. Também recorremos aos estudos de bilingüismo (BAKER, 1997; MELLO, 1999, 2003; PRUDENTE, 2006; entre outros) e da sociolingüística para melhor compreender a situação de imigração ao longo das gerações, na qual se encontram inseridos os participantes do estudo.


Contexto da pesquisa
A pesquisa foi realizada em uma escola de língua japonesa[1], situada nas dependências da Associação Nippo-brasileira de Goiás[2], na cidade de Goiânia. Esta escola iniciou suas atividades no início de 1999 com a finalidade de divulgar a língua e a cultura para a comunidade goiana. Foi construída com subsídios do governo japonês e também com a ajuda da comunidade nipo-brasileira, cada parte contribuindo em cerca de cinqüenta por cento dos custos. Atende tanto a comunidade nipônica quanto os não pertencentes à ela. As aulas são ministradas, em sua maioria, nas tardes de sábado. Durante o período das entrevistas para ao presente trabalho, a escola contava com oito professoras, sendo uma nativa, seis descendentes e uma não descendente, todas com experiências no Japão, e cerca de 110 alunos, distribuídos em 14 turmas[3]. Estas, por sua vez, divididas em Jido (3-5 anos), Júnior (6-14), Seijin (acima de 15 anos, curso básico) e Chukyu (curso intermediário). O corpo administrativo da escola é formado por uma comissão voluntária de associados da ANBG, denominada “Uen iin kai”, e subordinada à esta mesma associação.


Os participantes da pesquisa
Os participantes deste estudo totalizam trinta e seis pessoas com idades que variam entre cinco e cinqüenta e três anos. Do total de participantes, dez residem fora de Goiânia, sendo quatro em Nerópolis, dois em Anápolis, dois em Inhumas e dois na cidade de Goiás. A maioria dos alunos, num total de 26, pertence à terceira geração (sansei), cinco são da segunda geração (nisei), quatro da quarta geração (yonsei) e apenas um, issei, é de primeira geração[4].


Dados do questionário feito com alunos da EMLJG

Faixa etária
A faixa etária dos alunos entrevistados variou entre  5 e 53 anos, sendo o maior número de alunos entre 11 e 20 anos, e 10 com faixa de idade entre 5 e 10 anos.  Destes últimos, muitos estudam na escola desde a idade de 3 ou 4 anos.

Grau de descendência[5]
À época[6] da entrevista com os alunos, a escola pesquisada contava com um número de 57 alunos descendentes de japoneses. No entanto, por motivos relacionados ao tempo, só foi possível realizar a pesquisa com 64 % desses alunos. Dos alunos entrevistados, 1 é nascido no Japão e filho direto de japonês, portanto foi considerado como issei; 5 são filhos de imigrantes; 26 são netos; e 4 são bisnetos de imigrantes. Apenas 2 dos alunos tem mãe nascida no Japão, enquanto que 13 são filhos de mãe brasileira, sem ascendência japonesa, das quais apenas duas falam o idioma japonês. Levando-se em conta que a mãe tem papel fundamental na aquisição da linguagem pela criança, a maioria dos entrevistados filhos de mães brasileiras não adquiriu o idioma japonês. Dos pais, 7 são issei, ou seja, japoneses que vieram para o Brasil como imigrante.

Número de alunos entrevistados por turmas
Dos 36 alunos entrevistados, 16 faziam parte da turma Júnior (6-14 anos), e 16 da turma Seijin (adultos), sendo 3 da turma Jido (3-5 anos) e apenas um da turma Chukyu (intermediário).

Motivações para estudar o idioma japonês
A partir das respostas 1-5 sobre o motivo de estudar o idioma japonês, pôde-se perceber um interesse em resgatar a cultura que havia sido ignorada até então, como na justificativa de querer reconciliar-se com o passado citada por uma das alunas entrevistadas. Filha de pai nissei e mãe brasileira sem ascendência, ela estava estudando o idioma pela primeira vez, após os 40 anos, e afirma se sentir culpada por não ter dado o devido valor à cultura da família de seu pai. Relatou ainda que desde criança, ela e seus irmãos deram mais valor aos costumes da família brasileira, uma vez que na casa dos avós brasileiros podiam ter mais liberdade, em contrapartida à rigidez da casa dos avós japoneses. Somado à isso, ela completou dizendo que eles não puderam aprender o idioma japonês pelo fato de a mãe ser brasileira e não falar japonês.
Outra resposta interessante foi de um aluno que resolveu estudar o idioma japonês para compreender o que os parentes de São Paulo conversam com seus avós quando vêem à Goiânia para visitá-los.
Em relação à pergunta sobre o significado em estudar japonês, alguns alunos responderam que se orgulham em estudar o idioma, outros justificaram como sendo algo indispensável para o seu viver. Outro aluno respondeu que passou a entender melhor o pensamento de seus avós à medida que foi aprendendo o idioma.
Indagados se falam ou não o japonês em casa, a maioria dos alunos respondeu que não. Alguns justificaram que não falam porque a mãe (ou a esposa) é brasileira e não conhece o idioma. Outros responderam que não tem com quem falar em casa, pois os pais mesmo sendo filhos ou netos de migrantes japoneses não falam o idioma japonês.
Apenas 2 alunos disseram que em casa fazem uso apenas do japonês. Um deles afirmou que usa o idioma em casa porque o pai é japonês, e o outro disse que em sua casa todos falam o idioma japonês porque já moraram no Japão. É interessante observar que estes dois alunos são filhos de mães brasileiras não descendentes de japoneses.

Conclusão
Pôde-se concluir que a língua japonesa não é regularmente utilizada pelos membros da comunidade pesquisada. A partir da análise dos dados e do estudo da literatura sobre os imigrantes na região, concluiu-se que existem pelo menos 4 razões que levaram os imigrantes e seus descendentes a deixarem de usar a língua japonesa regularmente entre si: 1) posição geográfica em que os imigrantes se encontravam; 2) necessidade profissional; 3) educação dos filhos; e 4) casamento com brasileiros (as) não descendentes.
A primeira delas refere-se à posição geográfica. Alguns dos participantes deste estudo relataram que no início moravam isolados do grupo, o que dificultava a socialização do idioma, restringindo o uso do mesmo ao domínio familiar. Esse fato vai ao encontro do que Mota (1992) afirma sobre o fato de que muitos migrantes que faziam parte da Colônia do Cerrado teriam se deslocado para outros municípios após descobrirem que haviam sido enganados.
A segunda razão diz respeito à necessidade profissional. Segundo relato dos participantes, desde o início eles precisaram aprender o português, pois tratavam de negócios diretamente com habitantes locais. Como exemplo disso, tem-se o relato do avô de um dos alunos entrevistados. Segundo ele, possuía um armazém na cidade de Nerópolis e sua clientela era basicamente formada por não falantes do japonês.
A terceira razão apontada como educação dos filhos, refere-se ao fato de que alguns dos filhos de migrantes falavam apenas o idioma japonês até 6, 7 anos de idade. Entretanto, após ingressar na escola, aprendiam o português e deixavam de usar o idioma japonês regularmente, como é o caso de um dos alunos entrevistados. Segundo ele, desde então, praticamente não usa o japonês com seus pais. Uma outra aluna, em conversa informal, relatou que seu tio, hoje com mais de 40 anos, se recusa a falar em japonês. Segundo ela, até a idade escolar ele falava apenas o idioma japonês, e após ingressar na escola, além da dificuldade em aprender o português, passou por muitos momentos constrangedores pelo fato de apresentar influência do japonês na pronúncia do português. Tanto ele, quanto o aluno citado anteriormente não ensinaram o japonês para seus filhos.
A quarta razão apresentada como justificativa para o desuso da língua diz respeito ao fato de alguns dos descendentes dos migrantes japoneses terem se casado com brasileiros não descendentes de japoneses. A maioria destas uniões nipo-brasileiras é formada por um noivo Nikkei (descendente de japonês) e noiva brasileira, e raramente por noiva Nikkei e noivo brasileiro. Dos alunos entrevistados, 13 têm mãe brasileira que não é descendente, enquanto apenas 4 têm pai que não possui ascendência japonesa. Desses alunos, muitos disseram não ter aprendido o idioma japonês pelo fato de suas mães serem brasileiras e não falarem o japonês. Ainda, segundo relato do avô de um dos alunos ele e sua esposa evitavam falar em japonês durante as reuniões familiares, para não constranger as noras que são brasileiras sem ascendência japonesa e não falam o idioma japonês.
Com base na conclusão de que os descendentes de japoneses entrevistados não falam o idioma japonês pelas razões apresentadas anteriormente, sugiro que para aplicação do ensino da língua japonesa nesta comunidade, esta problemática seja considerada. Afinal, os alunos descendentes, em sua maioria, ingressam nesta escola sem ter um pré-conhecimento da língua japonesa.


BIBLIOGRAFIA
BAKER. Fundamentos de educación bilingüe y bilingüismo. Traducción de Ángel Alonso-Cortés. 1. ed. Madrid: Ediciones Cátedra, S.A., 1997.
LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, [1986] 2005.
MELLO, Heloísa Augusta Brito de. Codeswitching: uma estratégia discursiva de bilíngües. 1996. Dissertação (Mestrado em Letras e Lingüística) – Departamento de Letras e Lingüística, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 1996.
________, Heloísa Augusta Brito de. O falar bilíngüe. Goiânia: Ed. Da UFG, 1999.
MOTA, Fátima Alcídia Costa. Imigração japonesa em Goiás: a colônia ou a ilusão do Cerrado? 1992. 227 f. Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de História, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 1992.
PRUDENTE, Mabel Pettersen. Das montanhas ao cerrado: recortes sociolingüísticos da comunidade árabe em Goiânia, 2006. 182 f. Dissertação (Mestrado em Letras e Lingüística) - Departamento de Letras e Lingüística, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2006.
Documento da Comissão Pró-Construção. “Contribuição Espontânea” – Projeto: Fundos para construção de escola de língua japonesa. Goiânia, 1997.
Revista de Comemoração dos 10 anos da Escola Modelo de Brasília, 1999.


[1] Denominada Escola Modelo de Língua Japonesa de Goiás, doravante EMLJG.
[2] Doravante ANBG.
[3] Atualmente, a Escola possui um quadro de 8 professores (duas nativas, quatro descendentes e dois não-descendentes de japoneses), e um número aproximado de 113 alunos.
[4] O termo issei empregado aos imigrantes refere-se ao cidadão japonês que emigrou para outro país.  No entanto, o aluno aqui considerado issei é, na realidade, nihonjin (cidadão japonês), pois trata-se de uma criança filha de pai issei e nascida no japão durante o período em que os pais trabalhavam como dekasegi.
[5] Para definir o grau de descendência do aluno, foi considerado o grau de descendência mais próximo. Por exemplo, se o pai é nisei e a mãe sansei, considerou-se o grau de descendência do pai, portanto o aluno entrou para a classificação como sansei.
[6] Final de 2006.